O mundo vive uma das maiores emergências sanitárias da história. No Brasil, já são mais de 5,5 milhões de casos e 150 mil mortes. Números astronômicos, perdas irreparáveis.
A situação poderia ter sido muito pior, não fosse o Sistema Único de Saúde (SUS). Há muito vilipendiado e subfinanciado, o SUS resiste bravamente como a única opção de assistência para mais da metade da população.
Durante a pandemia da Covid-19, certas falhas se tornaram ainda mais evidentes: superlotação, desatualização da tabela de procedimentos disponíveis e insuficiência de recursos. Por outro lado, o País só conseguiu superar momentos críticos, ainda que de maneira limitada, por meio do atendimento em serviço público. O SUS, assim, evidencia ser imprescindível em especial aos mais vulneráveis socialmente.
Há no horizonte a curto prazo, porém, a ameaça de colapso. Para 2021, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê redução de R$ 40 bilhões de investimentos à saúde em relação ao início de 2020. Justo quando a população, ainda profundamente abalada pelas perdas e depauperada pela crise econômica, recorre ao SUS para retomar o acompanhamento de outras doenças.
Os recursos orçados não atendem as necessidades nem do serviço prestado em situação regular – da qual estamos bem distantes. A volta dos pacientes que evitaram os centros médicos por conta da pandemia somado à chegada de outras que não conseguem mais bancar as mensalidades dos planos de saúde favorecem a instalação de grave crise.
É insustentável que o SUS receba, ainda sob ameaça da Covid-19, menos recursos do que necessitaria em períodos de normalidade. O papel da saúde pública é essencial no controle à pandemia, no acompanhamento e recuperação dos pacientes e na adaptação para atender com urgência um número absurdo de brasileiros.
Aqui destaco com orgulho a dedicação de médicos e demais colegas das equipes multidisciplinares. São eles que fazem o SUS de todos nós, mas ainda assim permanecem desvalorizados, com péssima remuneração e condições de trabalho adversas.
Um sistema de tamanha magnitude não se sustenta sozinho – muito menos, sem recursos. Vemos o relógio correr em contagem regressiva, sem que medidas concretas sejam envidadas para colocar o Sistema Único de Saúde no caminho adequado à garantia constitucional de prover a todos os brasileiros de assistência integral, universal e de qualidade.
Ao contrário, a perspectiva é de piora do quadro. Hoje, com o envelhecimento da população aumenta a demanda por atendimentos mais complexos. Assim, se o cobertor já era curto, a tendência é de risco… Atitudes responsáveis são urgentes.
Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
*Artigo publicado no Diário do Grande ABC em 02/11/2020.