Nos últimos 10 anos, celebro o Dia de São Valentim (equivalente americano do Dia dos Namorados) dois dias antes, pois foi em 12 de fevereiro de 1999 que minha vida e meu coração foram devolvidos a mim.

Apesar de não ter nenhum fator de risco convencional ou qualquer sintoma, duas das minhas três maiores artérias coronárias foram 100% bloqueadas, a terceira 90% bloqueada. Faltavam três meses para o meu aniversário de 61 anos. Passei por uma operação de seis horas e meia para colocação de cinco marca-passos, no Hospital da Universidade de Yale.

 

Voltei ao trabalho algumas semanas depois e não tive nenhum problema de saúde desde então. Agora beirando os 71 anos, nado 1.200 metros quase todos os dias e jogo tênis (às vezes ganho) contra adversários décadas mais jovens que eu. Há um ano, depois de 20 anos de solteirice, a maioria deles como pai dos meus três filhos, casei-me novamente.

Como, há quase uma década, tive tanta sorte?

Após a revelação, ocorrida no ano passado, de que a Merck and Schering-Plough estava trabalhando em resultados de um teste clínico fracassado para uma nova droga para reduzir o colesterol, um artigo do "New York Times" observou que as descobertas dos testes "levantam dúvidas sobre a atual crença de que o colesterol é uma peça-chave para a saúde cardiovascular". Com base na minha experiência, acho que essas dúvidas já deveriam estar entre nós há mais tempo.

 

Simplista demais

Jornais, revistas, programas de televisão, periódicos científicos e, especialmente, anúncios de laboratórios farmacêuticos, todos reforçam a ideia de que diminuir o colesterol irá prevenir doenças cardíacas e salvar sua vida. Os amigos regularmente telefonam uns para os outros para informar seus últimos resultados de colesterol, como se estivessem ganhando a luta contra o Anjo da Morte.

No entanto, o colesterol, assim aprendi, é somente uma parte da história. Se você combinar todos os fatores de risco conhecidos – colesterol alto, pressão alta, tabagismo, genética, obesidade, sedentarismo – a combinação é responsável por somente menos da metade dos casos de doenças cardíacas. Inversamente, como foi o meu caso, quando nenhum desses fatores se aplica, a pessoa pode estar a dias ou horas de um ataque cardíaco fatal.

Além disso, dois médicos que me examinaram, incluindo um cardiologista, não viu nenhuma urgência na minha condição. Ficou a cargo de um amigo de longa data, outro cardiologista, acertar no diagnóstico – isso por telefone, a 5 km de distância.

Quando lhe contei sobre minha preocupação com faltas de ar ocasionais enquanto nadava, e sobre uma sensação de queimação intermitente nas costas, ele me mandou ir a um hospital o mais rápido possível. Por quê? Porque ele me conhecia, ele me ouviu com atenção e conseguiu inserir meus novos sintomas no contexto de todo o meu histórico.

Então, fui a um hospital, onde outro amigo de longa data, um médico de Yale, fez com que eu recebesse tratamento imediato. O fato de eu ser privilegiado – não somente por ter esses dois médicos como amigos, mas também por ter um seguro de saúde que me permitia receber tratamento em qualquer lugar e por qualquer médico – salvou minha vida.

Eu tinha justamente o que muitos americanos não têm: acesso à melhor e mais rápida assistência médica.

 

Problema social

Para receber diagnósticos e planos de tratamento corretos, precisamos de médicos que nos conheçam com o tempo, e que tenham tempo para nos conhecer. Assim como cada medicação reage de forma diferente em cada paciente, o significado de cada resultado de exame varia para cada paciente. Paradoxalmente, quanto melhores são os exames, mais precisamos da opinião dos médicos para decifrar os resultados e elaborar o tratamento adequado.

Hoje, temos tecnologias que tratam praticamente todos os problemas cardiovasculares, e para salvar vidas que antes não podíamos. Porém, o que muitos não têm é o acesso a essas tecnologias e a médicos capazes de fazer bom uso delas.

O presidente George W. Bush disse certa vez que todos os americanos, mesmo as dezenas de milhares sem seguro de saúde, podem receber assistência médica em emergências hospitalares. Talvez. Mas, claramente, os médicos de lá não têm tempo nem conhecimento – seja da doença específica, seja dos pacientes individualmente – para oferecer qualquer coisa semelhante a uma assistência médica de plena qualidade.

Também é evidente que as pessoas não vão receber os melhores cuidados médicos quando têm escolhas limitadas. Uma pesquisa recente realizada no estado de Nova York, por exemplo, revelou que a maioria dos cardiologistas disse que às vezes não operam pacientes que podem se beneficiar da cirurgia devido a suas preocupações com seus rankings na tabela de pontuação de médicos do estado.

Mesmo quando as pessoas têm seguro de saúde, provavelmente seus médicos mudam de um ano para o outro, até entre uma consulta e outra. Assim, médicos e pacientes geralmente acabam em desvantagens graves, às vezes ameaçadoras, quando se fala em formular diagnósticos precisos e planos de tratamento eficazes.

Por que algumas pessoas que fumam e bebem à vontade, comem o que querem e nunca fazem exercícios vivem uma vida longa, enquanto outras que obedecem às regras têm, às vezes, suas vidas interrompidas no auge? Não sabemos. O que sabemos é que grandes desigualdades no sistema de assistência à saúde prevalecem, que a qualidade dela varia enormemente e depende, primariamente, da profissão e da renda da pessoa, e essa sorte pode fazer uma enorme diferença.

Tive sorte de ter crescido junto a amigos que se tornaram médicos, e tive sorte de viver em uma época na qual minha vida podia ser salva. "Vinte e poucos anos atrás", meu cirurgião disse, "eu não poderia ter feito nada por você".

E tive sorte de viver tempo o suficiente para me apaixonar e me casar novamente, numa idade onde muitos já desistiram de qualquer esperança. Então, este ano, vou celebrar dois Dias de São Valentim: no dia 12 de fevereiro, em agradecimento por ter tido meu coração de volta há uma década, e novamente no dia 14 de fevereiro, quando vou desejar aos outros a mesma sorte que tive, em termos de coração.

 

Fonte: O Globo, 11 de fevereiro de 2009