O fechamento de serviços e a escassez de profissionais têm causado problemas no atendimento da população na área de pediatria. A rede pública alega dificuldades na contratação de pediatras, já a privada tem preferido investir em outras especialidades.

Desde novembro, ao menos dois hospitais privados do Distrito Federal fecharam suas portas. Em Belo Horizonte (MG) foram outros 17 nos últimos dois anos, segundo a Sociedade Mineira de Pediatria. Em São Paulo, não há fechamento de unidades pediátricas.

Segundo a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, há um déficit de 400 médicos da especialidade no SUS. Para piorar, no último concurso público, dos 230 candidatos nomeados, só 142 tomaram posse. E os índices de demissão também estão entre os mais altos --entre 5% e 10% saem a cada ano.

Para contornar o problema, a secretaria diz que ampliou as vagas para a residência médica em pediatria nos hospitais vinculados à Fepecs (Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde), ligada ao governo do Distrito Federal. Na última seleção, porém, menos de um terço das vagas foi ocupado.

Segundo Dioclécio Campos Júnior, presidente da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), a situação no DF e em Minas não são fatos isolados. "Temos recebido telefonemas de pais e famílias que estão preocupados porque têm filhos com doenças crônicas e estão perdendo espaço nos hospitais e clínicas do país", afirma.

O médico Mário Lavorato, diretor da Sociedade Mineira de Pediatria, afirma que de 50 hospitais existentes em Belo Horizonte, hoje, apenas quatro atendem urgência de pediatria. O alto custo para manter os atendimentos e o baixo retorno financeiro que os estabelecimentos obtêm com a pediatria estariam entre os fatores que levam os hospitais particulares a investir em outras áreas.

"A internação, por exemplo, custa caro. Os hospitais estão selecionando as áreas que são lucrativas e interessantes para eles. As que não interessam são fechadas porque não pagam os custos da manutenção", diz ele.

Segundo o pediatra, outras especialidades, como a clínica médica, passam pela mesma situação, mas suas consequências ainda não são tão visíveis. "O pediatra, como o clínico, não realiza procedimentos durante uma consulta e por isso não dá maior retorno aos hospitais."

A Federação Brasileira dos Hospitais informou à Folha que o presidente da entidade, Eduardo de Oliveira, tinha viajado, estava incomunicável e não havia outro interlocutor para falar sobre o assunto. Arlindo de Almeida, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), entidade que representa operadoras de saúde, também não foi localizado ontem.

Baixa remuneração

Outro problema sentido no setor é a queda no número de médicos que procuram pela especialização, que seria consequência da baixa remuneração. Os planos de saúde pagam cerca de R$ 40 por consulta médica, segundo a SBP. Para o atender recém-nascidos, na sala de parto, os pediatras recebem R$ 54 e os obstetras, R$ 120.

Para Campos Júnior, a situação reflete um modelo de saúde adotado pelo Brasil, e não uma crise na especialidade. "Na Europa, o número de médicos é de 17 pediatras para cada 100 mil habitantes. No Brasil, temos 20 profissionais para 100 mil."

No entanto, a distribuição desse número no país é desigual. Em Estados como o Rio de Janeiro, há cerca de 40 pediatras para cada 100 mil habitantes. "A distribuição de médicos se dá de acordo com a distribuição de riqueza. Se não mudar a concentração da renda, não haverá redistribuição de profissionais."

Segundo Renato Cury, diretor-técnico do Hospital Brasília --um dos que fecharam o setor pediátrico--, a instituição decidiu priorizar áreas de alta complexidade, como cirurgia, oncologia e hematologia. Outro que fechou a área de pediatria foi o Prontonorte. O atendimento foi transferido para o hospital Santa Helena, afirma Luiz Carrera, diretor-administrativo, por questões logísticas.

Ele diz que a demanda tem aumentado com o fechamento de outros serviços. "Toda a rede se dá o direito de fechar e isso cria para nós um gargalo."

Atendimento demorado

Para os médicos, a baixa remuneração dos planos de saúde é a principal responsável pela crise. Segundo José Marco Rezende Andrade, da Sociedade Brasileira de Pediatria no DF, o atendimento em pediatria costuma ser demorado e raramente conta com valores adicionais de exames, à maneira que acontece com outros especialistas, como os cardiologistas.

"Até para consertar uma geladeira você paga mais", reclama Ana Gumiero, coordenadora da área de pediatria do Hospital Anchieta, na cidade-satélite de Taguatinga. Ela afirma que o serviço será mantido --"apesar do valor absurdo"--, mas que está cada vez mais sobrecarregado. No local, são atendidas até 4.000 crianças por mês, o que causa uma espera de, em média, quatro horas.

"Não dá para deixar a medicina suplementar solta. Isso já vem acontecendo há algum tempo porque a saúde se transformou num negócio e é necessário que isso seja revertido", diz Campos Júnior, que defende uma intervenção do Estado.

Em São Paulo, a situação é mais branda. De acordo com José Hugo Pessoa, da Sociedade Pediatria de São Paulo, no Estado existia uma desvalorização do pediatra e houve uma redução na procura dos residentes pela especialidade. Porém, explica o médico, a demanda pelo atendimento se manteve e então houve um aumento de mais de 100% no valor do plantão do profissional.

Fonte: FSP, 22 de Abril de 2009.