A voz ao telefone era autoritária, até rude. Um pai ligava para nosso número de plantão para perguntar sobre sua filha adolescente.

 

"Ela está tendo dor de cabeça de novo", lembro que ele disse. "Vou passar na farmácia, só queria seu conselho sobre que dose de Tylenol dar a ela".

 

Essas frases não deixavam muito espaço para perguntas. Eu não o conhecia, nem a sua filha, mas parecia haver pouca margem de erro na minha resposta. Quase pude ouvi-lo batendo o pé, impaciente, esperando uma resposta.

 

Eu hesitei. Quem é essa jovem? Por que seu pai está telefonando por causa de uma simples dor de cabeça?

 

Comecei a fazer perguntas. Sim, a filha dele tinha dores de cabeça de vez em quando. Não, essa parecia ser um pouco mais forte, só isso. Ele nem teria telefonado, mas é que não tinha certeza se era seguro dar Tylenol, pois a filha estava amamentando.

 

Amamentando?

 

Sim, sim, ela teve bebê recentemente, há apenas alguns dias. Sim, houve problemas na gravidez e no parto – algo relativo a pressão alta –, mas ela chegou bem em casa. Será que eu podia simplesmente dizer a dose certa de analgésico?

 

Mandei a jovem e seu pai para a emergência. Ela deu entrada no hospital com pré-eclampsia grave, uma complicação pós-parto rara, porém perigosa.

 

Já se passaram dez anos desde o relatório do Instituto de Medicina sobre mortes causadas por erros médicos (chegando a um número de 44 mil por ano). Desde então, tem havido um foco enorme em quantos erros são cometidos por médicos e hospitais, quanto eles custam e como preveni-los.

 

A resposta da maioria dos hospitais tem sido enérgica e multifacetada. Comitês de certificação de hospitais agora realizam auditorias em prontuários buscando abreviações obsoletas e notas adequadamente produzidas. Os sistemas de prescrição eletrônica estão rapidamente virando a norma. Seguradoras que pagam intervenções pelo desempenho prometem recompensar quem faz um bom trabalho e se recusam a pagar por aqueles tratamentos que causam complicações, como infecções hospitalares.

 

Não discuto a necessidade dessas intervenções. Não há dúvidas de que os hospitais são locais poderosos e perigosos, que as "melhores práticas" nem sempre são seguidas e que a chamada abordagem polifarmacêutica – uma droga para cada enfermidade apresentada pelo paciente – dá menos margem a reações adversas.

 

Registros médicos eletrônicos acessíveis e informativos podem evitar meu quase-erro com a mesma eficácia que minhas perguntas. No sistema de saúde que já não existe mais, no qual os médicos ficavam disponíveis para seus pacientes 24 horas por dia, esse tipo de erro seria quase impossível.

 

No entanto, nenhuma dessas intervenções, por mais bem-intencionadas que sejam, resolvem um problema fundamental que está surgindo na medicina moderna: a mudança do foco, do tratamento do paciente para a satisfação do sistema. Os efeitos de focar a atenção do médico em metas e listas, penso eu, não são bons para o paciente.

 

Um parente próximo meu foi recentemente hospitalizado após quase perder a consciência em casa. Ele foi prontamente atendido, e um eletrocardiograma foi realizado em 15 minutos. Ele recebeu uma pulseirinha com código de barra, seu grau de dor foi avaliado, coletaram seu sangue e realizaram exames de raios-x e testes de estresse. Após 24 horas, ele foi liberado com uma lista revisada de medicamentos, após oferecerem a ele uma vacina contra pneumonia e a oportunidade de escrever um testamento de vida (que estipula até quando deve ser preservada a sobrevivência da pessoa).

 

O único problema foi a falta absoluta de atenção humana. Um médico do setor de emergência deu entrada do paciente em um serviço hospitalar que avalia com rapidez riscos de ataque cardíacos. Ninguém notou os exames de sangue que sugeriam grave desidratação, nem pediram seu histórico para descobrir o motivo de sua fadiga.

 

Um médico esteve presente por alguns minutos no início de sua estada no hospital, e mais uns minutinhos no dia seguinte. Nem minha presença ali, como membro da família e médica, mudou a atitude superficial dos profissionais que nos atenderam.

 

Entretanto, a hospitalização do meu parente esteve de acordo com todos os padrões atuais de qualidade na assistência médica.

 

Estamos prestando atenção aos detalhes dos erros médicos – abreviações ambíguas, práticas de vacinação e assepsia, além de muitas outras questões importantes, ou pelo menos quantificáveis.

 

Porém, enquanto passamos de um prontuário médico bem elaborado a outro, ninguém está levando em conta se ainda prestamos atenção aos seres humanos. Ninguém está levando em conta se admitimos que a melhor fonte de informação, a melhor proteção contra o erro médico, a melhor oportunidade de fazer a diferença – tudo isso já estava aqui antes.

 

As respostas estão com os pacientes. Devemos nos lembrar do valor incalculável de fazer as perguntas certas.

Fonte: uol, 23 de novembro de 2009.

 


*Dra. Dena Rifkin é médica da Universidade da Califórnia, em San Diego

Tradução: Gabriela d'Avila